terça-feira, 17 de junho de 2014

Pingos nos "I"s

Foi publicada uma belíssima reportagem na revista “Piauí” sobre o Sumo no Brasil, focando principalmente no trabalho do atual técnico da seleção brasileira de Sumô, Giuliano Tussato, e nas dificuldades dos lutadores brasileiros. Leia o texto na íntegra AQUI.

Ocorre que percebo que o texto merece ser ora completado ora explicado, para que o leitor possa ter uma melhor assimilação e entendimento da realidade do Sumo no Brasil. Assim, tomo a liberdade de fazer os comentários abaixo:

1 - “(...) comenta o pai do garoto que acaba de entrar pela primeira vez na vida em um dojô.” e “O sumô tem um objetivo simples: empurrar o adversário para fora do círculo demarcado no dojôou fazer com que encoste no chão qualquer parte do corpo que não seja a sola dos pés.”

Essa é fácil, heim... “Dojo” (道場), que literalmente significa algo como “local do caminho”, é o local onde o caminho do aperfeiçoamento físico, psíquico, moral, etc. é desenvolvido através da arte marcial. Ou seja, é o nome dado ao local onde se praticam todas as artes marciais japonesas, com exceção do Sumo.

No nosso esporte, o termo correto é “Dohyo” (土俵) que é o nome dado à arena de terra utilizada especificamente para a prática desse esporte milenar.

2 - “Juba tentará levar os dezesseis brasileiros classificados a uma posição digna”

Acredito que nossos atletas estarão em condição muito digna só em conseguir participar do Campeonato Mundial de Sumo 2014. Explico: dos quinze atletas, apenas dois tem apoio de entidades públicas ou privadas. O restante está batalhando muito para levantar os recursos que garantiriam a participação nesta competição.

Infelizmente esses lutadores passam dificuldades diárias que os impedem de treinar adequadamente. Gastam os finais de semana promovendo eventos que levantem um troco. Caio, de Guaianazes, vende quentinhas de feijoada; Dorotéia, em Capão Bonito, rifou um leitão; Luciana vendeu rifas de porta em porta na cidade de Suzano; Wagner terminou de pagar as passagens para Cali neste mês, pois havia parcelado em 10 vezes no cartão; Ricardo vendeu cookies aos seus colegas de trabalho; eu mesmo vendi muitas rifas e camisetas (muitas mesmo) para pagar passagens, não só minhas, mas para ajudar outros atletas também.

Nós vamos ao mundial disputar com atletas de alto rendimento. Alguns vivem de luta e praticam artes marciais diariamente. Mesmo assim, SEMPRE temos bons resultados e basta entender um pouco de Sumo para perceber que nossa luta é diferenciada.

Definitivamente respeito muito nossos atletas e considero que já estão em posição bastante digna, por lutarem em condições tão adversas e serem tão duros na queda.

3 - “Foi sob seu comando que o até então desacreditado time da Venezuela ficou em sexto lugar no último mundial.”

Essa afirmação merece uma complementação, pois na verdade, não foi só isso. Nos últimos três anos a Venezuela tem destinado pesados valores monetários e humanos na prática do Sumo. Há notória participação do Governo Bolivariano e o profissionalismo técnico e administrativo da FEVESUMO – Federação Venezuelana De Sumo – comandados por Jose Rodrigues e Abel Castro é espantoso.

Os treinos técnicos são orientados por um experiente profissional, William Bernal, que conduz treinos direcionados para o ganho físico específico para as necessidades do Sumo, tal como força em curto espaço de tempo, resistência e explosão. No meu conhecimento, já fizeram três concentrações internacionais, duas em São Paulo e uma em Moscou, no Centro Olímpico, com a Seleção Russa (atual bicho papão em mundiais); e três seminários internacionais, o primeiro com os campeões argentinos Sebastian Videla e Gabriel Wakita, o segundo comigo e Luciana Watanabe (veja AQUI nossa impressão sobre o seminário) e o terceiro com Giuliano Tussato.

Primeiro treino dos venezuelanos no Ginásio de Sumô do Bom Retiro, em 2012.

Mas o principal é em relação ao dinheiro. Seus atletas recebem bolsa do governo, não é valor exorbitante, mas o bastante para pagar algumas contas; TODA a despesa de passagens aéreas, alimentação e hospedagem dos atletas e comissão técnica em competições e concentrações são pagas pela FEVESUMO (não sei a origem desses se recursos, se de iniciativa pública ou privada); nossas despesas em seminários e do técnico estrangeiro, no caso o Giuliano, também são pagas por eles.

Enfim... É fácil perceber que eles vão nos superar logo tanto em quantidade quanto em qualidade dos atletas. Não é uma questão de derrotismo ou pessimismo, mas o fato é que não é fácil passar a vida inteira correndo atrás. Perdi a conta de quantas rifas e camisetas vendi; de quantos fogem de mim com medo de que eu ofereça algo; de quantos me bloquearam no facebook por fazer postagens insistentes sobre Sumo; de quantos programas de TV, rádio, internet e afins tive que fazer; de quanto dinheiro perdi... E mesmo assim estou aí, lutando e defendendo os meus.

4 - “O Brasil sequer apareceu na classificação final.”

É verdade. Se considerarmos apenas o SportAccord Combat Games.

No ano passado o Campeonato Mundial de Sumo foi cancelado por conta de dois eventos de âmbito internacional que aconteceriam em datas muito próximas: o World Games na cidade de Cali, Colômbia; e o SportAccord Combat Games em São Petersburgo, Rússia.

Nossa seleção seguindo para o World Games 2013!

O IWGA – International World Games Association – é uma entidade formada atualmente por 37 federações esportivas, sendo reconhecido pelo Comitê Olímpico Internacional por compartilhar de seu ideal: promover valores físicos e esportivos pelo bem estar da sociedade. Quadrienal, o World Games é um dos maiores eventos multidisciplinares, ficando atrás apenas dos Jogos Olímpicos.

A edição de 2013 aconteceu em Cali, Colômbia; e a Seleção Brasileira de Sumo foi um dos principais destaques do evento, conquistando duas belíssimas medalhas de prata, com Luciana Watanabe no Peso Leve e Jaqueline Silva no Absoluto. Sagramos-nos a 5ª melhor equipe no Sumo e contribuímos decisivamente para a 11ª colocação do Brasil no quadro geral de medalhas!

Eu fui como técnico da equipe e fiquei muito orgulhoso do nosso desempenho! Nossos atletas conquistaram o reconhecimento do público dentro e fora do Dohyo! O sucesso foi tanto que estampamos capas de jornais, demos inúmeras entrevistas e fomos convidados a fazer parte de uma coletiva de imprensa em que compartilhamos a mesa com o então presidente do IWGA! Para mim, foi um dos momentos mais felizes no esporte!

Janaína Silva fez o ginásio lotado tremer! Conquistou uma inédita 2ª colocação para o Brasil!

O outro evento, o SportAccord Combat Games é um dos eventos multidisciplinares organizado pelo SporAccord International Federations’ Union (os outros são o World Beach Games, World Artistic Games e o World Mind Games). Também quadrienal – a do ano passado foi sua segunda edição – reúne competições de âmbito mundial de federações que organizam 15 modalidades de artes marciais, olímpicas ou não.

Imaginávamos que essa competição, realizada em São Petersburgo, seria um sonho, pois TODAS as despesas dos atletas (transporte aéreo, hospedagem e alimentação) seriam pagas pelo país anfitrião. Pois bem... Enfrentamos tantos problemas que a competição ficou mais perto de um pesadelo. Os atletas viajaram sozinhos e a ausência de um técnico trouxe dificuldades que iam da falta de disciplina (tivemos um atleta que vergonhosamente abandonou a luta do segundo dia de competições sem justificativa alguma) ao sobrecarregamento de alguns de nossos lutadores mais experientes.

Há que se destacar, entretanto, que esses lutadores não são fracassados. Faz-se necessário analisar em que condições esses lutadores foram convocados. Luciana Watanabe e Ricardo Aoyama foram convidados pela IFS em reconhecimento ao ótimo resultado no Campeonato Mundial 2012 em Hong Kong; Mário Frabetti, pelo World Games 2013; os demais lutadores foram convocados pela Federação Sul-americana pela vitória conquistada no Campeonato Sul-americano 2013 realizado em Buenos Aires (foram convocados apenas o primeiro colocado em cada categoria!), no qual o Brasil venceu em praticamente TODAS as categorias tanto do masculino como do feminino (perdemos apenas no peso médio feminino).

Como havíamos tomado para nós praticamente todas as vagas do continente sul-americano para o Combat Games, a IFS escolheu Sebastian Videla (ARG) e Maria Cedeño (VEN), por conta dos ótimos resultados no World Games 2013, para compor o grupo que representaria os países sul-americanos. Ainda não me desce muito bem o fato de terem convocado Maria em detrimento de Janaína, vice-campeã no absoluto no World Games...

5 - “Os feitos de Juba como professor e treinador, porém, são recentes.”

Conheço o Giuliano desde criança, pois somos da mesma equipe de Sumo. Seu feito como professor e treinador não são tão recentes... Atribuo a ele, Kioshi Shimazaki, Silvio Watanabe e a Fábio Ikemori, minha melhor participação em mundiais, uma medalha de bronze no primeiro Campeonato Mundial Juvenil em 1999.
Treinando sob orientação de sensei Sato e Giuliano Tussato em 1998. Eu e Yoshi estamos na direita.

Em 1998/1999 Giuliano voltou ao Brasil depois de encerrar sua carreira como lutador. Foi um momento precioso para nossa equipe. Treinamos duro e bastante. E foi graças a isso que pude presentear meu pai com uma medalha internacional. Sou sinceramente muito grato a ele.

Seu outro feito foi introduzir Fernanda Costa ao esporte. Mais tarde, treinando conosco, ela se tornou uma das maiores estrelas do Sumo mundial, conquistando a medalha de ouro no Mundial de 2003.

6 - “Além da agarração para derrubar o adversário, o sumô profissional admite golpes poderosos dados com os punhos.

Socos são proibidos tanto no Sumo amador como no profissional. O que é válido entre os profissionais é o harite, ou seja, tapa lateral.

7 - “Juba calcula que metade deles não tenha ascendência japonesa.”

No último Campeonato Brasileiro, percebemos que mais de 70% não tem ascendência japonesa alguma.

8 -  “Até arranjar uniforme é complicado. Eu uso o mesmo há uns dez anos. Quando consegui falar com a fornecedora de material esportivo dos atletas olímpicos do Brasil, não só me trataram mal como perguntaram se íamos levar assessoria de imprensa para o mundial. Pô, se nem uniforme a gente tinha!”

Isso é infelizmente 100% verdade. É por isso que não tenho nenhum artigo da Olympikus e fiz questão de jogar tudo o que tinha deles fora.

Em 2012, como sei que ninguém dá nada para ninguém, eu sugeri que eles nos vendessem abrigos um pouco mais barato ou até mesmo modelos com "pequenos defeitos", desses vendidos em outlets, desde que saísse mais barato que aquele que mandamos fazer. Não me importo com respostas negativas. Mas considero falta de respeito tripudiar de quem pede ajuda. Primeiro eles me questionaram o que ganhariam ao dar agasalhos para nós (repito, pedi que VENDESSEM mais barato!); e depois perguntou se estávamos levando jornalistas para cobrir o evento.

Enfim...

É isso, amigos! Um grande abraço!

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